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Opinião

Em um mundo de interesses, ainda há espaço para a lealdade?

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Opinião


*Kamila Garcia

Epicuro afirmou certa vez: “A amizade e a lealdade residem numa identidade de almas raramente encontrada.” Essa reflexão nos leva a um paradoxo essencial: nem toda cumplicidade é leal, embora toda lealdade pressuponha cumplicidade.

No cerne das relações humanas, observa-se um movimento contínuo de negociação entre interesses e valores. A natureza racional do homem, ao buscar pertencimento a um grupo, muitas vezes se sobrepõe aos princípios éticos e morais. Em determinadas circunstâncias, a sobrevivência é priorizada acima da integridade, comprometendo a distinção entre cumplicidade e lealdade.

 Shankara nos alerta: “A lealdade é algo extremamente difícil de ser conservada, pois se baseia nos interesses da relação que mantemos. Quando esses interesses mudam, a lealdade tende a mudar junto.” Isso nos conduz à hipócrita realidade de que, muitas vezes, o homem se adapta a conveniências, comprometendo sua autenticidade moral.

Desde o nascimento, o ser humano se torna responsável por suas palavras e atitudes, embora nem sempre sustente uma postura ética em suas interações. Para Platão, a “submissão à soberania do Bem, da Justiça e da Beleza” constitui a base da ética das virtudes. Entre essas virtudes, destacam-se a justiça, persistência, humildade, bondade, empatia e honestidade, valores que deveriam orientar a conduta humana. Entretanto, tais valores são frequentemente relativizados conforme as circunstâncias sociais e intelectuais, sendo manipulados por narrativas que favorecem interesses momentâneos.

Se, como defendeu Aristóteles, a ética está a serviço da felicidade, paradoxalmente, ela também se torna maleável conforme a conveniência dos grupos. Assim, princípios fundamentais como integridade e conduta imparcial são facilmente corrompidos pela ganância, inveja e sede de poder.

Embora a frase “os fins justificam os meios” não tenha sido proferida por Maquiavel, ele compreendeu bem a necessidade de estratégia para a manutenção do poder. A estabilidade de um regime, para ele, poderia exigir ações implacáveis, fundamentadas em narrativas autoritárias e na persuasão coercitiva.

O homem que carece de amor-próprio tende a buscar subterfúgios hostis para garantir sua supremacia ou aceitação. No entanto, nem todos os que almejam um lugar ao sol são dignos de sua luminosidade, pois a deslealdade frequentemente se torna um meio de ascensão. A cumplicidade, nesse contexto, emerge entre aqueles que compartilham interesses comuns, sem necessariamente respeitar preceitos éticos.

A lealdade, por sua vez, transcende a cumplicidade e a mera convergência de interesses. Ela se ancora em valores que podem, inclusive, contrariar as regras impostas pela ética hegemônica. Para Maquiavel, um rei necessita tanto de súditos cúmplices quanto de aliados leais, formando estruturas de poder que podem cercear liberdades individuais. Assim, observa-se que, muitas vezes, a ética não se estabelece pela virtude honesta dos fatos, mas sim pela lealdade a quem oferece maior visibilidade e poder.

Dessa forma, a cumplicidade se manifesta onde há interesses compartilhados, enquanto a lealdade só se sustenta onde o ganho de poder está em jogo. Para um rei soberano e cruel, a consciência livre de seus súditos é uma ameaça. Ele se vale da manipulação das narrativas para perpetuar sua dominação, reforçando a dicotomia entre cumplicidade e lealdade, entre interesses momentâneos e princípios inabaláveis.

*Kamila Garcia é bacharel em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Atualmente, ela equilibra sua rotina entre o trabalho e estudos em Psicanálise e Psicologia Positiva, além de se dedicar às terapias holísticas. Como coach, Kamila utiliza seus conhecimentos para compartilhar insights sobre espiritualidade, ajudando seus clientes a alcançar um maior bem-estar e autoconhecimento.



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A violência política

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*Coronel Fernanda

Ser mulher na política é viver diariamente o desafio de ocupar um espaço que, por muito tempo, foi negado a nós. É estar em posição de liderança e, ao mesmo tempo, lidar com olhares desconfiados, julgamentos injustos e tentativas de descredibilizar o trabalho feito com seriedade. Mesmo assim, seguimos firmes, porque sabemos que nossa presença não é apenas um direito, mas uma necessidade para o fortalecimento da democracia e para o avanço de políticas públicas que cheguem de forma justa e concreta à população.

A violência política é um fenômeno silencioso e persistente, que vai muito além dos ataques públicos. Ela se revela nas palavras que diminuem, nas insinuações que buscam desqualificar, nas interrupções constantes, nas ameaças veladas e até na tentativa de excluir vozes femininas de debates e decisões. É a tentativa constante de reduzir nossa voz, de impor medo, de nos empurrar de volta para o silêncio. Essa violência é uma ferida que atinge não apenas quem sofre diretamente, mas todo o sistema democrático, porque enfraquece a representatividade e desestimula novas lideranças.

No Parlamento, nas câmaras municipais, nas assembleias e até nas redes sociais, é comum vermos o ataque direcionado não ao conteúdo das ideias, mas à imagem pessoal. Quando uma mulher fala com firmeza, dizem que é arrogante. Quando mostra convicção, dizem que é intransigente. Quando decide liderar, dizem que está “saindo do seu lugar”. O que se tenta, em última instância, é minar o direito de exercer o mandato com liberdade e independência, reduzindo o debate político à caricatura e à hostilidade.

Mas é justamente por isso que precisamos continuar. Precisamos transformar o medo em força, a crítica injusta em motivação e o ataque em oportunidade de mostrar coerência e propósito. A presença feminina na política não é um favor de ninguém, mas o resultado de muito trabalho, sacrifício e coragem. E cada passo dado por uma mulher nesse ambiente abre caminho para muitas outras.

O Brasil é um país de mulheres fortes, que conduzem famílias, empresas, escolas e comunidades inteiras. Não faz sentido que, na política, essas mesmas mulheres ainda precisem provar a cada dia que são capazes, competentes e preparadas. É hora de romper esse ciclo e de construir uma cultura política que respeite o mérito e a dedicação, independentemente de quem ocupa o cargo.

*Coronel Fernanda é deputada federal e Procuradora da Mulher na Câmara dos Deputados.



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